Simão Dorvi: O Guardião da História e da Cultura Goiana

Origens e Primeiros Passos

Giuseppe Dorvi, mais tarde conhecido como Frei Simão Dorvi, nasceu em 13 de dezembro de 1907, no sítio Bufalora, situado em Vernasca, província italiana de Piacenza. Desde cedo, sua vida foi marcada pelo trabalho duro no campo, vivenciando a escassez e a dureza da Primeira Guerra Mundial. Trabalhou com a enxada e o arado ao lado do pai, enfrentando jornadas de até 16 horas diárias.

Aos 19 anos, em 1927, sentiu o chamado divino e ingressou na Ordem dos Pregadores Dominicanos, adotando o nome Frei Simão Cireneu. Viveu inicialmente como irmão leigo, vestindo o hábito dominicano, e dedicou-se à formação conventual em Bolonha, onde atuou como sacristão e historiador da Basílica de São Domingos. Ali, começou a estudar a arte da construção de templos e a história arquitetônica da Igreja entre os séculos XIII e XVIII.

Foto Frei SImão

Foto: Autor desconhecido – Frei Simão em seu local de trabalho fazendo seu ofício.

Um Obreiro da História, da Fé e da Cultura

Frei Simão Dorvi deixou um legado múltiplo, profundo e impactante:

Patrimônio Histórico e Arquitetônico

  • Participou da reorganização dos arquivos da Diocese de Goiás.
  • Restaurou documentos dos séculos XVIII ao XX em vários municípios goianos.
  • Foi um dos fundadores do Museu de Arte Sacra da Boa Morte, na cidade de Goiás.
  • Foi responsável pela construção de várias igrejas, com destaque para as de Itapuranga, Carmo do Rio Verde, Rubiataba, Ceres, Fazenda Nova, Nova Glória, Novo Brasil, Iporá, Jussara, Itapirapuã, entre outras.
  • Trabalhou na restauração do Orfanato São José, na cidade de Goiás.

Patrimônio Histórico e Arquitetônico

  • Considerado um dos maiores genealogistas e historiadores religiosos de Goiás, organizou mais de 600 volumes de registros eclesiásticos.
  • Trabalhou na tradução e transcrição de textos antigos sobre os sacramentos, batismos e registros de casamentos (inclusive de indígenas no século XIX).
  • Colaborou com instituições como a Fundação Educacional de Goiás, sendo peça-chave para a criação da Faculdade de Filosofia da cidade de Goiás, que mais tarde se tornou a UEG – Campus Cora Coralina.

Atuação Social e Religiosa

  • Fundador do Colégio das Irmãs, em Rubiataba.
  • Desenvolveu ações junto a comunidades indígenas, como os avá-canoeiros (xavantes), ajudando na catequese e na integração respeitosa desses povos.
  • Realizou mutirões comunitários de restauração, eletrificação, saneamento e educação básica em regiões afastadas.

Foto: Jornal O Popular – dezembro de 1978 – Frei Simão ao centro de costas e Cora Coralina a esquerda.

Legado de Simplicidade, Conhecimento e Serviço

Frei Simão Dorvi faleceu após mais de 40 anos de dedicação integral ao povo e à história de Goiás. Seu trabalho, hoje valorizado por historiadores, professores, religiosos e gestores públicos, permanece como referência no resgate da memória regional e da dignidade pastoral.
Era, antes de tudo, um homem de silêncio eloquente, que preferia servir com as mãos e com os olhos atentos ao passado — para que o futuro não esquecesse suas raízes.

Pintura Frei Simão

Foto: Pintura do Frei Simão – autoria Guilherme Siqueira

Chegada ao Brasil e Missão em Goiás

Frei Simão desembarcou no Brasil em 2 de setembro de 1936, com o objetivo de trabalhar nas missões dominicanas. Chegou pelo porto de Santos e logo se estabeleceu em Santa Cruz do Rio Pardo (SP), onde aprendeu português e assimilou a cultura brasileira com humildade e dedicação.

Após breve passagem por Santa Leopoldina (ES), em 1938, chegou à cidade de Goiás (antiga Vila Boa), que se tornaria o centro de sua vida e missão por mais de quatro décadas. Lá, passou a trabalhar com afinco na preservação histórica, restauração documental e construção religiosa.

Frei Simão

Foto: Autor desconhecido – Frei Simão em seu local de trabalho – Foto restaurada digitalmente

O Frei e as Uvas: A Mística do Cotidiano

Além de sua obra intelectual e pastoral, Frei Simão cultivava videiras no quintal da casa onde morava. Preparava com zelo artesanal um vinho que se tornou famoso em Goiás. As uvas eram símbolo de sua simplicidade e do cultivo paciente que aplicava também à fé e ao conhecimento.

Reconhecimento e Memória Viva

Frei Simão nunca buscou honrarias. Era avesso a elogios e vaidades. Ainda assim, em 1978, celebrou-se em Goiás o seu meio século de sacerdócio, com grande festa comunitária. Em 1996, a Fundação Educacional da Cidade de Goiás foi rebatizada em sua homenagem, garantindo a perpetuação de seu legado.

Mesmo debilitado pela idade, aos 70 anos ainda se dizia pronto para continuar trabalhando por Goiás. Suas palavras revelam o espírito humilde e determinado:

“Não faço por vaidade. Faço porque amo este povo. E porque sei que, se eu não fizer, muitos dos nossos registros vão se perder. ”